Instituto Pensar - The Washington Post atribui a Bolsonaro situação do Brasil

The Washington Post atribui a Bolsonaro situação do Brasil

por: Júlia Schiaffarino 


Homangem a pessoas mortas pela Covid-19 no Brasil.
Foto: Rio da Paz/Fotos Públicas

A posição do Brasil enquanto um pária internacional foi tema de um artigo publicado nesta segunda-feira (3) no jornal estadunidense The Washington Post. Sob o título o "Bolsonaro insultou grande parte do mundo. Agora, o Brasil precisa de ajuda?, o texto analisa a demora dos organismos internacionais responderem às súplicas do país.

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Apesar de identificar a situação vivida pelos brasileiros como uma "devastação do coronavírus? o autor é claro em atribuir essa exclusão do Brasil da lista de prioridades internacionais a dois fatores. O primeiro deles é a omissão do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na condução de políticas de saúde pública durante o primeiro ano de pandemia, isto é, 2020. Em segundo lugar estaria o histórico de tropeços na condução da política exterior ao longo dos dois últimos anos.

Posições erráticas do governo

Em um dos trechos, o jornalista do lembrou da resposta dada por um membro do Parlamento Europeu a um embaixador brasileiro que "implorou? ajuda.

"O que está acontecendo no Brasil é uma tragédia que poderia ter sido evitada,? afirmou um membro do Parlamento Europeu ao embaixador brasileiro em uma audiência, este mês. "Mas esta tragédia foi baseada em decisões políticas erradas?.

Logo em seguida, o autor comenta sobre os prejuízos do atual governo a uma imagem positiva que o Brasil demorou décadas para construir diante da comunidade internacional.

"A imagem internacional que o Brasil passou décadas cultivando ? focalizada no respeito do meio ambiente, amistosa, multilateral ? foi solapada por um presidente cuja administração insultou grande parte do mundo no momento em que mais necessitava de ajuda.?

O caso da Índia

No último domingo (2) a índia registrou recorde de 3.689 mortos pela Covid-19 no espaço de um dia. Em 8 de abril o Brasil chegou ao pico de 4.195 vidas perdidas para o vírus em apenas 24h.

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Mesmo assim, diz o jornal , "os Estados Unidos não se mexeram para ajudar o Brasil?. O único fato que ele registra foi uma contribuição de mil ventiladores e de dois milhões de comprimidos de hidroxicloroquina, medicamento que não tem eficácia, conforme a ciência no tratamento da Covid-19.

A Índia, em contrapartida, garantiu somente dos Estados Unidos, mais de US$ 100 milhões de dólares em equipamentos hospitalares. Outos países como Cingapura e Tailândia também enviaram oxigênio para suprir a demanda indiana, enquanto o primeiro ministro britânico, Boris Johnson, afirmou que fará "tudo o que puder?.

Texto do The Washington Post na íntegra

Terrence McCoy, The Washington Post, 03 de maio de 2021

Dois países em desenvolvimento, enormes em população e em extensão geográfica, são vítimas da devastação do coronavírus. Os hospitais esgotaram seus suprimentos. Pacientes são mandados de volta. Em todo lugar, uma nova variante. Precisa-se desesperadamente de ajuda externa.

No caso da Índia, derrubada por taxas recordes de infecção, o mundo se apressou a responder. Esta semana, a Casa Branca divulgou a entrega de mais de US$ 100 milhões em equipamentos e material hospitalar. Cingapura e Tailândia enviaram oxigênio. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anunciou que o Reino Unido fará "tudo o que puder?.

Mas no caso do Brasil, que enterrou 140 mil vítimas nos dois últimos meses, a resposta internacional tem sido mais moderada. Em março, o presidente Jair Bolsonaro solicitou a ajuda das organizações internacionais. Um grupo de governadores pediu à ONU "ajuda humanitária?. Há duas semanas, o embaixador brasileiro na União Europeia implorou por ajuda. "É uma corrida contra o tempo para salvar muitas vidas no Brasil?.

Mas a resposta tem sido em grande parte ou falta de interesse, ou críticas aos erros do Brasil ? e muito pouca ação, até o momento.

"O que está acontecendo no Brasil é uma tragédia que poderia ter sido evitada,? afirmou um membro do Parlamento Europeu ao embaixador brasileiro em uma audiência, este mês. "Mas esta tragédia foi baseada em decisões políticas erradas?.

"Em lugar de declarar guerra ao coronavíurs?, afirmou outro, "Bolsonaro declarou guerra à ciência, à medicina, ao senso comum, à vida?.

Desde terça-feira, a presidente do Parlamento Europeu, Ursula von der Leyen, tuitou três vezes sobre a ajuda à Índia. No entanto, pouco ela falou sobre o Brasil.

O contraste entre o tratamento dispensado pela comunidade internacional ao enfrentamento da crise na Índia e no Brasil mostra que as crescentes batalhas diplomáticas de Brasília complicaram a resposta do país contra o coronavírus. A imagem internacional que o Brasil passou décadas cultivando ? focalizada no respeito do meio ambiente, amistosa, multilateral ? foi solapada por um presidente cuja administração insultou grande parte do mundo no momento em que mais necessitava de ajuda.

Bolsonaro, um nacionalista de extrema direita, que chegou ao poder zombando do globalismo, acusou países europeu inclinados ao respeito do meio ambiente de colonialismo e desmatamento ilegal. Amplificou uma mensagem nas redes sociais usando termos depreciativos contra a aparência da esposa do presidente francês Emmanuel Macron. Reiterou as afirmações infundadas do presidente Donald Trump sobre fraude eleitoral, e foi o último líder do G-20 a reconhecer a vitória do presidente Joe Biden. Durante meses, membros do seu governo e apoiadores dispararam ataques racistas contra a China e zombaram de sua vacina. Na terça-feira, seu ministro da Economia afirmou que a China "inventou o vírus?.

Desde o começo da pandemia, o governo federal do Brasil menosprezou a gravidade de um vírus que aleijou este país de 210 milhões de habitantes. Bolsonaro conclamou as pessoas a viverem sua vida normalmente. Muitos lhe deram ouvidos ? por causa da pobreza, da política ou do cansaço ? o suficiente para comprometer medidas de contenção pouco uniformes. Mais de 400 mil brasileiros já morreram de covid-19, o pior desastre humanitário da história da nação, e o segundo maior do mundo, depois dos Estados Unidos.

Agora, ainda mergulhado no período mais mortal de sua pandemia ? outros 3.001 morreram na terça-feira, segundo informações ? um país que há muito gabava de ser amigo de quase todo mundo, agora se encontra em grande parte sem amigos.

"O mundo inteiro está tentando ajudar a Índia?, disse Maurício Santoro, cientista político da UERJ. "Mas Bolsonaro tornou-se um problema internacional tão grande que ninguém está disposto a ajudá-lo.?

"Ninguém fala em dar grande ajuda ao Brasil.?

À pergunta da razão pela qual os Estados Unidos não se mexeram para ajudar o Brasil com a urgência demonstrada em relação à Índia, um porta-voz do Departamento de Estado apresentou uma lista de contribuições dos EUA ao Brasil antes da fase pior da pandemia, por um total de mais de US$ 20 milhões em assistência fornecida pelo governo. O porta-voz acrescentou ainda os US$ 75 milhões de "ajuda do setor privado?. A contribuição, grande parte da qual foi enviada durante a administração Trump, incluiu mil ventiladores e 2 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina.

"Continuamos ativamente dispostos a discutir com o governo brasileiro suas necessidades e a encontrar maneiras de continuarmos nossa parceria com o Brasil a fim de ajudar a satisfazer as suas necessidades?, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado.

Outros países também contribuíram. A Alemanha enviou ventiladores depois que o sistema médico da cidade de Manaus fracassou. A Organização Mundial da Saúde começou a enviar vacinas por meio de um programa que visa sanar as de imunizantes. A União Europeia e seus países membros concederam cerca de US$ 28 milhões em doações desde o início da pandemia, segundo um porta-voz. Em resposta a uma solicitação do Brasil em março, o bloco contribuiu para o envio de "80 mil unidades de medicamentos criticamente necessários? ao Brasil.

Mas a falta de mais assistência internacional ? ou mesmo de uma maior expressão de solidariedade ? durante os meses de maior desespero no Brasil, confirmou os temores de que o país venha a pagar um preço internacional pela atitude de confronto de Bolsonaro em matéria de política externa e de zombaria em relação às medidas contra o coronavírus aceitas pelos líderes globais.

"O País perdeu influência em inúmeros níveis?, afirmou Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

O Brasil nunca irritou o mundo. Vasto, tranquilo e em desenvolvimento, seguiu tradicionalmente o que Stuenkel descreveu como uma política externa "previsível?, baseada na construção de alianças. Ano após ano, procurou estender o seu corpo diplomático, um dos maiores do mundo em desenvolvimento.

Voltar-se contra a sua história foi uma jogada que o Brasil não podia se permitir.

"Os EUA conseguiram tirar um Trump porque não precisam tanto do mundo?, disse Stuenkel. "Eles podem produzir suas próprias vacinas. Mas no Brasil, tal comportamento foi particularmente imprudente porque dependia da comunidade internacional. Nós não temos poder forte. Nós precisamos de multilateralismo".

Em vez disso, o governo Bolsonaro menosprezou a fé na China e em suas vacinas ao mesmo tempo em que o Brasil dependia do país para obter material para as vacinas. Em abril passado, o ex-ministro da Educação de Bolsonaro tuitou uma mensagem racista provocando uma violenta censura da China e da Suprema Corte brasileira. O filho do presidente, membro do Congresso brasileiro, culpou a China pela pandemia, depois a acusou de usar o sistema 5G para espionagem.

O governo chinês advertiu que haveria "consequências negativas? se tal retórica continuasse. Em janeiro, o embarque de material da China para a produção de vacinas sofreu um considerável atraso, provocando uma série de especulações. Para alguns veículos de informação, os insultos do governo tiveram consequências.

Esta semana, enquanto as autoridades de saúde do país recusavam a vacina Sputnik V da Rússia, alegando falta de transparência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou a vacina chinesa que o Brasil tem.

"Os chineses inventaram o vírus?, afirmou, "e sua vacina é menos eficiente do que a americana?.

O embaixador chinês revidou: "Até este momento, a China é a principal fornecedora de vacinas e de material básico ao Brasil?.

Os que estão pagando o custo destas disputas diplomáticas são os brasileiros comuns, afirmou Michael Shifter, presidente do Diálogo Interamericano sediado em Washington.

"O povo brasileiro está sofrendo e morrendo a taxas absurdas,? ele disse. "E esta é a parte mais trágica?.

Tradução de Anna Capovilla publicada no jornal Estadão




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